*Artigo nosso publicado originalmente na Carta Forense, em 07/03/2014, e republicado pelos MPs de GO e ES.
Em 28 de
fevereiro, foi noticiado no Portal Terra - Grupo de professores considera
ECA 'excessivamente liberal'. A própria reportagem aponta que resultados
preliminares de pesquisa da USP revelam desconhecimento do Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA). Com efeito, é o que se verifica e caminha em sentido
contrário ao que todo o ordenamento jurídico brasileiro evidencia.
Nossa
Constituição Federal de 1988, a legislação inerente ao tema (ECA), o
Supremo Tribunal de Justiça (STF) e a doutrina pátria se posicionam da mesma
forma em relação à proteção integral que a criança e o adolescente devem
receber do Estado, da sociedade e da Família, para o desenvolvimento de todas
as suas capacidades.
Com a redação
da EC 65/2010, o artigo 227, da Constituição Brasileira, dispõe:
“É dever
da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao
jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,
à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.”
A Lei n.
8.069 de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente, prescreve logo em seu artigo 3º:
“A
criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à
pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei,
assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e
facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral,
espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.”
Percebemos
com a leitura a preocupação do diploma legal com a proteção integral da criança
e do adolescente para o desenvolvimento de todas as suas potencialidades com
relação à liberdade e dignidade, uma vez que assegurados seus direitos
fundamentais.
Nesse
sentido, o STF firma sua posição:
“[...] O
objetivo maior da Lei 8.069/1990 é a proteção integral à criança e ao
adolescente, aí compreendida a participação na vida familiar e comunitária.
[..]”(HC 98.518, Rel.
Min. Eros Grau, julgamento em 25-5-2010, Segunda Turma, DJE de 18-6-2010.) “É preciso assinalar,
neste ponto, por relevante, que a proteção aos direitos da criança e do
adolescente (CF, art. 227, caput) – qualifica-se como um dos direitos
sociais mais expressivos, [...], cujo adimplemento impõe ao Poder Público a
satisfação de um dever de prestação positiva, [...] o STF, considerada a
dimensão política da jurisdição constitucional outorgada a esta Corte, não pode
demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos,
sociais e culturais, que se identificam – enquanto direitos de segunda geração
– com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel.
Min. Celso de Mello).
Podemos
igualmente notar que o STF, guardião da Constituição da República de 1988,
assume o papel de proteção integral dos direitos fundamentais da criança e do
adolescente.
Na mesma
direção, Alexandre de Moraes leciona sobre o tema: “O Estado, no cumprimento de
sua obrigação constitucional, promoverá programas de assistência integral à
saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de
entidades não governamentais e obedecendo aos seguintes preceitos: aplicação de
percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência
materno-infantil; criação de programas de prevenção e atendimento especializado
para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de
integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o
treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens
e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos
arquitetônicos.” (MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional. 27ª. edição. São Paulo: Atlas,
2011. p. 877)
José
Afonso da Silva, do mesmo modo, pondera sobre o assunto: “Essa família, que
recebe a proteção estatal, não tem só direitos. Tem o grave dever, juntamente
com a sociedade e o Estado, de assegurar, com absoluta prioridade, os direitos
fundamentais da criança e do adolescente [,,,]” (SILVA, José Afonso da. Curso
de Direito Constitucional Positivo. 24ª. edição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 849)
Portanto,
diante do exposto, verifica-se que a criança e o adolescente merecem de fato a
proteção integral do Estado, da sociedade e da Família, para o desenvolvimento
de todas as suas capacidades e potencialidades, enquanto direitos fundamentais
garantidos pela Constituição e a Lei Federal, o seu Estatuto protetivo. Não se trata
de considerar este último excessivamente liberal, uma vez que as necessidades
latentes sociais e econômicas da criança e dos adolescentes exigem sua tutela.
Políticas Públicas adequadas com a participação da comunidade podem senão
evitar, ao menos reduzir, os problemas que possam surgir. O Estatuto da Criança
e do Adolescente é um diploma normativo avançado e para produzir efeitos
precisa ser de fato aplicado em conjunto com a Constituição de 1988. O que se
apresenta, assim, não se trata de um problema normativo, mas cultural, que
precisa ser modificado, a partir de uma melhor compreensão do assunto. Importa
salientar, por fim, nesse panorama, o papel dos professores que precisam
lecionar procurando envolver os alunos com suas atividades educacionais, instigando-os
com as questões levantadas, tornando-os sempre críticos, questionadores e
construtores ativos de nossa História.